Seu primeiro ano em Hogwarts foi um tanto quanto “inquieto”. Charlie não
demorou a se acostumar com a idéia de ser um bruxo, apesar de as
vezes ainda ter medo se ver acordando de possível sonho.
Charlie tinha um gato que lhe era muito amigo e estava sempre
por perto. “Ele tem grandes
poderes...” disse a velha bruxa da loja de animais no Beco
Diagonal. “...queira sempre ter ele por perto em horas difíceis!”. Mas até
o presente momento Meet não tinha mostrado grandes habilidades, além
a de espantosa capacidade de se esparramar em lugares quentes e comer
grandes quantidades de qualquer coisa que se pudesse comer.
O garoto não era nenhum santo. Quando não estava brigando com
os caras maiores do segundo ano (gente da Sonserina, que estava sempre
a “assustar” o pessoal do primeiro ano) estava na detenção por
causa das brigas.
Era
um dia claro de outono. As árvores começavam a dançar suas folhas
amareladas ao sabor da brisa, que ficava mais forte com a proximidade
do inverno. O céu, agora muito claro, inundava com seu brilho
azul-alegre os corredores e salões do castelo.
Meet,
que havia passado a noite sabe-se lá onde, já estava no salão
principal, devidamente alimentado e (pra variar) esparramado a um
canto. “Gato estranho...”.
Charlie tomou seu lugar à mesa da Grifinória, ao lado de Lise e
Marcus Gray, de quem não tinha certeza de estar bem acordado ainda.
Serviam-se
de mesa fartamente posta. Leite, café, suco de laranja, uva e abóbora.
Torradinhas de todos os tipos e formatos, pães fumegantes e tortinhas
espalhadas por toda parte. Patês das mais variadas cores, manteiga e geléias
de tudo o que fosse possível ou impossível
imaginar, e ainda muito bacon e ovos.
Enquanto
se serviam correu um silêncio estranho na mesa, desde a ponta até
onde estavam, e logo perceberam o que era.
-
O ambiente tá ficando meio pesado
por aqui... -e sem tirar os olhos do seu bacon
Lise indicou com a cabeça o lugar à frente de Charlie. Era Luck T.
Thomas, um dos caras “maiores” (e indesejáveis) da Sonserina.
-
Cai fora Thomas – rosnou Charlie, que parecia pronto para mais uma
detenção – Essa não é tua mesa! Volta lá pros teus companheiros
de arrogância...
-
Ora! Calma pequeno Andersom, vim em paz... – uma pausa para o suco
(de Lise!) e continuou com ar de superioridade – tenho uma proposta
pra você.
-
...
Charlie
o encarava com um olhar de vou
comer seu fígado no jantar, mas estava curioso. Até agora não
teve a chance de estar frente a frente com um sonserino (geralmente
estavam um em cima do outro, rolando por alguma escada ou coisa do
tipo) e apesar de não estar muito contente, fez sinal para que
continuasse.
-
Nunca na história de Hogwarts um aluno de primeiro ano deu tanto
trabalho para a Sonserina. São quatro detenções em menos de dois
meses. Sem contar a invasão da nossa masmorra e o nariz quebrado do
Josh – e apontou com a cabeça para um aluno gordo e ligeiramente
enraivecido na mesa da Sonserina.
-
e?...
-...e
queremos presenteia-lo por sua bravura e determinação. Queremos
deixa-lo em paz! Claro que não podemos sair esbanjando benevolência
assim de graça!...
-
Muito obrigado por seus elogios e sua preocupação, - Marcus acabara
de acordar de vez para inutilmente tentar “salvar” o amigo – mas
acho que não estamos interes...
- ...continue! – interrompeu Charlie, encarando o olhar
desafiante de Thomas.
- Queremos que você pegue uma coisa para nós... trâmpo fácil, coisa rápida...
Marcus tentou chamar a atenção de Charlie, sacudiu, mexeu os
braços, ficou de pé, mas foi jogado de volta a cadeira pelo amigo,
que parecia estranhamente interessado na proposta. Não tinha esperança
de ser deixado em paz, mas via nisso uma boa oportunidade para
humilhar mais uma vez os sonserinos.
- Mês passado um amigo nosso perdeu a varinha nas ruínas da
vila velha... aquela a leste do castelo... – e uma sucessão de
olhares silenciosos e aterrorizados se fez sobre os dois. Charlie
sabia o porquê dos olhares, conhecia a fama do lugar
-
Bom – continuou Thomas -tudo o que tem a fazer é traze-la de volta... o que acha?...
Uma
enxurrada de protestos vinham de todas as direções enquanto corria
corredores e escadas tentando não chegar atrasado na aula de feitiços.
E foi assim a caminho de Defesa Contra as Artes das Trevas. E também
antes de Poções...
- Você é louco?!
- Não pode ir até lá... é lugar proibido!
- Dizem que tem Trasgos lá...
Mas Charlie não parecia dar ouvidos à ninguém. Não se
importava com os boatos. Sabia que devia ser perigoso (Thomas NUNCA
iria manda-lo de encontro a um paraíso...) mas estava decidido.
No final das aulas o silêncio da manhã dava lugar ao tumultuo
do almoço, com uma balbúrdia que se podia ouvir do outro lado do
lago. Os corredores se enchiam de vozesapressadas e o salão principal ficava apinhado de alunos
famintos. Havia também uma quantidade incrível de corujas que
tingiam o grande teto encantado, que se fazia de céu claro, imitando o dia lá fora. Uma das corjas deixou
cair uma carta para Charlie. Lise encarou por um instante o lugar de
Charlie, a carta na cadeira vazia, se perguntando onde ele estaria.
Então, de um salto ela apanhou a carta e saiu correndo pelo salão.
Em cinco minutos ela estava cruzando o descampado verde em direção a
um pequeno morro além do campo de quadribol.
Depois
de mais um tempo de caminhada Lise encontrara Charlie, que estava
sentado, ao pé de uma pequena árvore quase sem folhas, no alto do
morro. Observava silenciosamente as ruínas da vila, que surgia
timidamente lá em baixo, na ponta de uma trilha, já tomada pelo
mato, que começava aos pés daquele morro. Ela sentou a seu lado e
lhe entregou a carta. Ele olhou o remetente, mas não abriu. Era de
seu irmão trouxa.
-
Por que será que elas não entregaram as cartas no café, como
sempre? Sabe, as corujas... O que será que aconteceu? – perguntou,
fingindo interesse.
-
Não faço a menor idéia...
E
um breve silêncio se fez enquanto olhavam juntos a trilha lá em
baixo.
-
Sabe que não pode ir lá – disse Lise muito tranqüilamente – É
proibido aos alunos.
-
Sei disso, mas ninguém vai saber...
-
E não acha que os sonserinos não vão... digamos... deixar
escapar pra algum professor a aposta que fizeram com você? Vão
estar te vigiando.
Não
houve resposta.
-
E mesmo que isso não aconteça, é perigoso ir lá à noite. Tem uns
Trasgos meio violentos por aqui. E eles usam a vila para passar a
noite... e se você topar com um deles?
-
Todos já sabem da aposta... E não vão dizer nada, ao menos não
antes que eu saia. Eu precisaria estar lá
(e apontou a vila com a cabeça) pra terem do que me acusar, então não
vai ter ninguém me vigiando, nem sabem quando vou pra lá... quanto
aos trasgos, ouvi dizer que eles praticamente hibernam
quando dormem. Nem vão me notar...
-
Mas se notarem, você está morto... devia pensar melhor antes de
ficar se exibindo pros sonserinos...
Ele
apenas se levantou, apanhou a carta e se pôs a voltar pro castelo.
-
Anda! Ainda temos Herbologia...
Enquanto
Charlie caminhava, Lise o olhava tentando entender o que o fazia dar
tanta importância para uma coisa tão estúpida. Então ela desistiu
de tentar entender e correu para alcançar o amigo.
Marcus
é um cara estranho. É alto. Alto o suficiente para andar curvado. E
magro. Não tão magro, mas a sua altura fazia parecer bem mais.Geralmente passa as manhãs meio desligado do mundo, sonolento.
À tarde acordava, desatava a falar e não havia quem não ficasse
meio de saco cheio perto
dele. Mas apesar de tudo era grande amigo, sempre disposto a ajudar e
muito leal. E também era um excelente jogador de Quadribol. O melhor
apanhador da Grifinória desde os tempos do Prof. Potter.“Certa
vez, num jogo contra a Lufa-Lufa, por pura diversão,
enfeitiçaramo pomo. Ele não desaparecia como de costume, em vez disso
ficava sempre à vista, passeando pelo campo... a mais de 150 por
hora! Mas Marcus não tentava pegá-lo, apenas o observava. Estava
parado muito acima de todos.Então
viu o pomo começar a subir. Linda Sunn, apanhadora da Lufa-Lufa vinha
em seu encalço, mas o pomo tomava cada vez mais distância.
Inesperadamente ele parou. No susto, Linda também parou, e quando
pensou em correr para
apanha-lo, o pomo tornou a disparar numa decida praticamente vertical,
em direção de Linda, queteve que se desviar para não ser derrubada. Nesse instante
Marcus se jogou num mergulho alucinante em direção a uma das traves
da Grifinória. “Mas o que está fazendo? Está indo para o lado
errado!”, mas não deu ouvido às pessoas, continuava descendo, as mão
firmes na sua vassoura. Quando todos pensaram que ele ia se matar
contra a trave, Marcus apenas parou, muito perto do chão,e ergueu o braço. Então o público observou, surpreso, o pomo
mudar novamente de direção e ir direto para a mão de Marcus, que
acabava de ganhar a partida para a Grifinória.
Marcus passara o jogo observando o pomo e sabia exatamente o
percurso que ele estava fazendo. Como sempre repetia este percurso,
sem nunca sair da vista de ninguém, bastava entrar na frente dele
quando fosse passar.”
Charlie já conhecia muito bem o amigo do segundo ano, e
justamente por isso passou o dia evitando conversar com ele. Não
apareceu para o café nem para o almoço. Arranjou mil desculpas para
ficar longe de Marcus nas aulas de feitiços e poções, e até se
cortou sem querer na aula de
botânica, pra poder ir direto para a ala hospitalar. Tudo porque ia
descer até a vila logo à noite e sabia que não podia dar a Marcus a
chance de se convidar para ir junto. Teve que correr o dia todo, mas o
plano funcionou bem.
Como, além de Marcus e Lise, ninguém sabia que ele iria
descer aquela noite, e Marcus estaria ocupado até bem tarde com os
treinos de quadribol, Charlie pôde preparar suas coisas com muita
tranqüilidade.Abriu o malão, tirou do fundo duas capas grandes e pretas.
Estendeu uma sobre a cama e jogou outra a um canto. Sobre a estendida
jogou uns livros e a varinha. Embrulhou tudo e escondeu em baixo da
cama. Guardou também a outra capa e deitou.
Ficou lá por quase uma hora, olhando pro teto, sem pensar em
nada muito importante. Não parecia estar muito preocupado com a vila,
ou com o que poderia acontecer lá.
Depois de um tempo o silêncio foi quebrado pelos alunos que
começavam a se recolher. Charlie fingia dormir. Logo ficou quieto de
novo. Depois de um bom tempo, tendo certeza que não havia mais ninguém
acordado, Charlie se levantou, muito silenciosamente. Parou um
instante para ficar ouvindo. Então pegou o embrulho, jogou a outra
capa nos ombros e, ainda mais silenciosamente, atravessou o dormitório
até a porta que dava para o corredor. Agora ele estava preocupado. Não
com a vila, mas com o caminho que teria de fazer antes de sair do
castelo. Sabia que não estariam espreitando, mas e se, por azar,
desse de cara com algum professor perambulando pelos corredores, ou
com o zelador... ou com o Pirraça?!
Desceu depressa as escadas até o salão comunal. A lareira
ainda estava acesa, com sua luz trepida, enchendo de sombras trêmulas
as paredes do salão. Ia andando depressa até o outro lado do salão,
mas parou no meio do caminho e olhou desconfiado para a lareira. “Essa
lareira é encantada... não devia estar acesa se o salão está
vazio...” pensou.
- Não devia sair sozinho à noite, sabia?! É muito
perigoso... e contra as regras da escola! – A vós vinha de um
grande vulto, posto atrás de uma das grandes cadeiras do salão, que
vagarosamente emergia das sombras.
- Não quero você no meu pé, Marcus. Você mesmo disse que é
muito perigoso. E se te pegarem, como vai se explicar?!
- Não me importo! E depois você vai querer alguém mais
experiente para... – ele não terminou a frase. Em vez disso
desabou, esparramando a grande capa que vestia pelo chão do salão.
- Achei que fosse precisar de ajuda... – e quem sai da
escuridão agora era Lise, que estava escondida na entrada para as
escadas que levavam até o dormitório feminino. – Eu ia te avisar
que ele estaria aqui, mas como você sumiu o dia inteiro...!
- E o que ele tem?! O que você... hum... jogou
nele!?
- Não esquenta! É só um feitiço do sono. Vai dormir como um
bebê até amanhã. Bom... acho que não adiantaria eu pedir pra ir
junto, não é?
- Exatamente! Não quero ninguém com problemas por minha
causa... pelos meus caprichos
como você diz... mas obrigado pela ajuda com o Marcus!
- Tudo bem... se cuida, tá!?
Charlie fez um tchau
com a mão livre, atravessou a passagem da Mulher Gorda e se perdeu
nas sombras dos corredores. Lise se voltou para Marco, esticado no chão,
pegou-o com dificuldade, jogou-o em uma cadeira e se sentou ao lado.
- É... agora ele tá encrencado!!! – comentou baixinho, mas
pra si própria que para o amigo adormecido.
O
caminho até o salão principal nunca pareceu tão longo e assustador.
A escuridão da noite sem lua invadia os corredores. Os archotes
projetavam nas paredes as sombras assustadoras das diversas estatuas
que habitavam os diversos corredores, das diversas torres do castelo.
Além do frio, que era bem maior do que o esperado por Charlie.
Faltando pouco mais de duas ou três curvas
para o grande salão a preocupação de Charlie aumentara bastante. De
trás de uma das portas pela qual havia passado, pode ouvir pirraça brincando com alguma coisa (geralmente frágil e valiosa) que
encontrara lá. Isso era bom, assim não corria o risco de encontra-lo
pela frente, mas tinha que ir rápido. Pirraça é meio imprevisível.
Mas não teve tempo sequer de apertar o passo. Uma luz vinha
dançando pelas paredes do corredor estreito, seguida de perto por uma
enxurrada de palavrões e maldizeres. O calor pareceu fugir de sua
face, assim como o chão dos seus pés: Era Filch, o zelador. “Onde
estão aquelas estátuas grandes e feias quando a gente precisa
delas?!” Não havia uma fresta sequer onde pudesse se esconder.
Mas ele tinha um plano. Logo meteu a mão no embrulho e tirou dele os
livros enormes e seguiu em frente. Não era o melhor plano do mundo,
mas Charlie tinha passado a tarde toda pensando em algo e não
conseguiu nada melhor. Agora era rezar para dar certo.
- Pirraça, maldito, quer acordar a escola toda seu... –
Filch parou. Seus olhos correram o garoto assustado de cima a baixo.
Sua fisionomia havia passado de estupidamente encolerizada para algo
perto da satisfação de uma noite que valera a pena.
- O que pensa que está fazendo fora de seu dormitório,
Anderson? Ficou com saudade das detenções?
- Não senhor... eu estava indo pra biblioteca mas...
- A essa hora? – Filch estava tão perto agora que podia
contar os pinguinhos de cuspe que salpicavam seu rosto.
- É que os exames começam semana que vem e eu...
- Ora essa, e desde quando você é de estudar? A única coisa
que sabe fazer é brigar e arrumar encrenca.
- Mas...
- E por que não foi direto para a biblioteca? Por que ficar
passeando pelo castelo?
- Eu me perdi! Ainda não conheço bem a escola, e esse lugar
é enorme...
Filch não estava nada satisfeito com a desculpa de Charlie, e
já ia desatar num torturante sermão quando Pirraça tirou sua atenção.
Parecia bem mais alegre agora, e pelo barulho, devia estar arrastando
os tapetes da sala (com tudo em cima!) pelas paredes. O homem estava
meio perdido, olhando do garoto ao corredor, sem saber se ficava com
ele ou com Pirraça.
- Posso ir? Sabe, tenho muita coisa pra ler e...
- Grrr... Droga... Suma da minha frente, moleque maldito... mas
se eu te pegar vagando pela escola à noite outra vez, vão precisar
de muita paciência para tirar o que sobrar de você das paredes...
A passos apressados e praguejando violentamente, Filch
enfiou-se pelos corredores atrás de Pirraça, deixando pra trás um
garoto atordoado, assustado ligeiramente desorientado. Charlie lembrou
o que estava fazendo e tentou seguir caminho,mas suas pernas não ajudavam muito.
Não teve mais problemas atésair do castelo. Ainda parou um instante para olhar o teto
encantado do salão principal, mas não tinha nada pra ver. Nem lua,
nem estrelas... só escuridão. Já do lado de fora ele acabou de
arrumar suas coisas. Escondeu a um canto os livros, numa moita
qualquer e prendeu a varinha na cintura. Jogou nos ombros a outra capa
que usara de embrulho, pôs o capuze saiu andando depressa em direção ao campo de quadribol.
Em
vez de contornar o campo para chegar até o pé do morrinho, que
ficava do outro lado, Charlie achou que iria mais rápido se o
atravessasse. Enquanto caminhava até a outra ponta se deu conta de
que nunca esteve ali antes. Já assistira vários jogos, mas nunca
havia estado no campo... dentro do campo! Quando chegou no centro,
apesar da pressa, resolveu parar. E ficou ali um tempo, contemplando
tudo à sua volta, as arquibancadas, o campo em sí. Claro, não podia
enxergar quase nada com aquela escuridão. Mas nem precisava. Sabia
que estavam ali. Podia sentir a agitação do lugar. Quase podia ouvir
a balbúrdia das pessoas enchendo as arquibancadas. Virou-se depressa
e pode ver os jogadores saindo dos vestiários, passando por ele e
logo alcançando o céu do campo.
Então lembrou o que fazia ali, parou de sonhar e seguiu caminho.
Charlie nunca foi bom jogador de quadribol. Sequer era bom com a
vassoura. Mas como gostava do jogo.
A
escuridão era tanta que o fazia tropeçar nas próprias pernas. Não
podia fazer luz, com medo de chamar a atenção. Vez por outra ficava
preso pela capa em algum galho baixo ou mesmo pelo mato, que ficava
cada vez mais fechado.
Em
cinco minutos Charlie havia contornado a base do morrinho,e estava agora parado no começo da trilha.
Não
era um caminho largo. O mato alto e arbustos a deixavam ainda mais
estreita. Umas várias pedras ainda restavam calçando o caminho e
indicando a direção.“Bom, ao menos,
encoberto pelo morro, posso fazer luz!” pensou.
Apesar
do caminho aterrorizante, do frio, da escuridão e de ter quase
certeza de ver alguma coisa se mexendo a cada cinco minutos, Charlie não
parecia nem um pouco assustado ou preocupado.
Após
outros cinco minutos pela trilha os arbustos estavam tão altos e
fechados que, não fosse pelas pedras no caminho, qualquer um se
perderia facilmente. Mas logo a pequena floresta de arbustos se abriu
numa grande clareira, revelando o que, num passado distante, havia
sido os portões de entrada da vila.
Era
um lugar bem grande. Um verdadeiro labirinto de pedras e restos de
paredes.O vento não incomodava mais, mas o frio ainda conseguia
congelar seus pulmões.
Charlie
começou a vasculhar o lugar, prestando atenção em tudo para não se
perder na volta. Mas era tudo sempre igual. Parecia passar sempre
pelos mesmos montes de pedras. E quando percebeu já estava perdido.
Tempo
depois, Charlie finalmente viu algo diferente. Era uma “clareira”
no meio das ruínas. Um grande espaço vazio e que contornava redondamente
uma estátua de pedra (ou uma pedra que fora estátua) posta no
centro. Do outro lado, iluminada pela luz tremula da varinha, surgia
uma casa... melhor, um escombro de
casa, bem grande até, e com o que já fora uma torre meio tombada
sobre o que já fora o teto. E do lado de dentro
alguma coisa brilhava de um jeitinho trêmulo, como a luz da varinha.
Alias, eram duas coisas brilhando, e pareciam apontadas para o garoto.
Charlie
atravessou a praça em direção a casa, mas mudou de idéia alguns
metros antes, quando viu algo que fez todo aquele frio valer a pena:
era a tal varinha perdida. Seus olhos agora brilhavam de
contentamento. Claro, sabia que Thomas não manteria o acordo feito,
que continuariam a atormenta-lo, mas não podia deixar de pensar na
cara de susto e ódio dos sonserinos quando vissem a tal varinha.
Ele
se aproximou e se abaixou para apanhar seu mais novo tesouro. Mas sua
mão parou no caminho. Algo atraía sua atenção: eram as coisas
brilhantes que agora se mexiam. Subiam no ar, devagar, e subiam, e
subiam; até uns cinco metros do chão. E então elas “...piscaram!?”
pensou. “Que tipo de coisa
pode brilhar, subir e piscar?”
Agora
a coisa se aproximava a passos pesados e barulhentos. Das sombras, então,
surgia uma enorme figura, arrastando um enorme bastão
cravado de ossos e presas de cobras. As coisas eram olhos de trasgo,
cujo dono tinha cara de pouquíssimos amigos.
Charlie
sentiu o rosto gelar e um grande nada sob os pés. Não tinha reação
alguma. Foi tomado pelo pavor, suas mãos suavam e tremiam, e já não
se lembrava de sentir frio. A luz da varinha já se apagara de vez, não
tinha concentração para mantê-las acesa.
O trasgo permanecia parado a frente do garoto. Olhava para ele
como um gato para uma bolinha de lã, com um olhar atento sob
sobrancelhas enraivecidas. Contudo, parecia estar gostando da idéia
de teralgo com o que se divertir. Então ergueu seu bastão e
resolveu ir até o garoto. Este, tomado completamente pelo medo,
apanhou a varinha e se pôs a correr pela escuridão. Ou ao menos
tentou, mas acabou caindo, por culpa de uma pedra que surgiu da
escuridão bem na frente de seu segundo passo. O trasgo continuou avançando,
fazendo um barulho estranho que talvez fosse uma risada.
“É
foda...” pensou. “não
tenho pra onde correr, mal me lembro do caminho de volta... e ninguém
vai me ajudar aqui... o que eu faço?!...” E tomadopor uma repentina onda de coragem (ou um medo ainda maior) de
um salto colocou-se em pé com a varinha erguida, pronto para
enfrentar o monstro. O único feitiço útil que lhe veio à mente foi
um de desarmamento, que havia aprendido
numa aula do Clube dos Duelos, que havia assistido escondido certa
noite. Mas, mesmo que conseguisse fazer alguma coisa (o que seria difícil,
já que nunca tinha testado o feitiço antes), era pouco provável que
fizesse efeito contra uma criatura dessas.
Com o trasgo ainda cada vez mais próximo, e sem nada melhor
para tentar, Charlie aponta corajosamente a varia para o monstro e
grita com toda a força - EXPELLIARMUS!!!
Um lampejo vermelho e ofuscante dispara da ponta da varinha,
quebrando por um breve instante a escuridão que os envolvia. Charlie
fora jogado de costas alguns metros. O trasgo estava parado no mesmo
lugar, com uma das mãos nos olhos, e ainda tinha o tacape na outra. A
fera parecia ligeiramente perdida, mas sua visão voltava aos poucos,
e parecia ainda mais feroz e violento. Quando finalmente enxergou o
garoto caído na escuridão ficou enlouquecido: guinchava (ou grunhia,
ou algo do tipo) e rodava o tacape acima da cabeça. Avançou depressa
na direção do bruxo, e o teria alcançado em três ou quatro
passadas, mas foi interrompido por outra criatura, igualmente grande e
assustadora, que irrompia das sombras.
Com o susto Charlie se pôs em pé, mas estava apavorado demais
para correr, ou fazer qualquer coisa. À sua frente desenhava-se a
silhueta negra de um grande tigre. Era maior que qualquer um que
jamais tinha visto ou imaginado. Era muito negro, parecia uma sombra
na escuridão, e seus olhos faiscavam num vermelho muito vivo, que
fazia lembrar sangue.
O trasgo, agora ameaçado, gritou e balançou o tacape, com
intenção de atacar, mas o grande tigre rugiu, alto e feroz, o que
fez o monstro recuar hesitante. O tigre olhou para Charlie, como que
por cima dos ombros, e fez um algum sinal. “Que
beleza” pensou “Estou entre ser a comida de um tigre e o brinquedo de um trasgo!”.
O tigre fez sinal com a cabeça mais uma vez, agora parecendo
impaciente. E o bruxo continuava sem entender e apavorado.
A
fera voltou seus olhos faiscantes para a outra fera, que permanecia
parada, lançando olhar que ia do tigre ao garoto, e voltava ao tigre.
Impaciente, enfurecido, o trasgo parte para uma investida definitiva,
e o tigre se joga em direção ao monstro, e em duas passadas já
estavam se atacando violentamente. O tigre se desvia de uma investida
e salta sobre o monstro, que cai de costas num baque abafado, fazendo
tremer as pedras por toda a parte.
Com
o trasgo atordoado, o tigre agora tem outro alvo: Charlie. Com o tigre
em vindo depressa, o garoto ainda tentou erguer a varinha para se
defender, mas o bote da fera foi mais rápido. Segurou-o pelas vestes,
jogou-o em suas costas e disparou em direção à saída da vila.
Ainda sem entender, Charlie se segura como pode enquanto o tigre corre
pelo labirinto de pedras.
O
tigre parecia saber onde estava indo, mas o trasgo, com certeza,
conhecia melhor o labirinto. Dobrando uma esquina foram surpreendido
pelo feroz dono da casa,
que, para desespero de Charlie, conseguia correr tão rápido quanto o
tigre, apesar de grande e desajeitado. E assim foram por vários
minutos, correndo por ruas estreitas e montes de pedras, com o trasgoem seu encalço, grunhindo e desferindo golpes no ar.
Finalmente
atravessaram os grandes portões e alcançaram a trilha. Mas o trasgo,
incansável, continuava atrás deles, e cada vez mais perto. Mais de
uma vez Charlie pode sentir as garras do tacape cortarem o ar frio
muito perto de sua cabeça. O tigre, inesperadamente, saiu da trilha,
se embrenhando com habilidade por entre arbustos e o mato alto. Já o
trasgo ia abrindo a própria trilha logo atrás. A perseguição
continuou até atingirem um breve descampado que separava o matagal de
algo antes invisível, graças aos arbustos, e que fez gelar mais uma
vez o sangue de Charlie: a floresta proibida! O traso parou à margem
do matagal, observando o caminho de seus perseguidos. “Não
valem tanto..” é o que deve ter pensado. Voltou triste por
perder dois brinquedos em apenas uma noite.
O
tigre correu à margem da floresta por um tempo, depois entrou e
correu através dela até alcançar a orla da floresta, e subiu o morrinho
que dava para o lago, e finalmente avistaram o castelo ao longe. O
tigre correu o terreno plano contornando o castelo, até a base da
torre da Grifinória. Depois escalou-a sem esforço ou dificuldade
alguma, sempre com Charlie agarrado ao pescoço. Logo a fera chegou até
a janela do dormitório masculino, e se atirou para o silêncio do
quarto. Jogou Charlie em sua cama e saiu novamente pela escuridão da
noite. Charlie parou um instante na janela, ainda mukto assustado,
olhando para o céu sem estrelas. Tentava entender como tudo aquilo
acontecera. Desde o trasgo, tudo tinha sido acontecido rápido demais.
Pensava na besteira de ter aceito a aposta de Thomas, quando lembrou
do que tinha ido buscar. Tateou as vestes à procura da varinha e
ficou contente de encontra-la perdida em um bolso interno. “pelo
menos isso!” pensou.
Então
viu a criatura subindo novamente a torre e ficou novamente perdido
pelo medo. Tirou as vestes depressa e afundou-se nos cobertores,
fingindo que dormia. O tigre saltou silencioso para o quarto. Trazia
consigo os livros que estavam escondido da entrada do castelo. Pousou
os livros sobre o criado mudo e se aconchegou aos pés da cama.
Charlie estava com medo e confuso, mas estava cansado demais para
continuar acordado por mais tempo, e logo, contra sua vontade,
mergulhou num sono pesado, mas agitado.
- Charlie... Charlie! Vamos cara, vai perder o café... – A vós,
antes distante e distorcida, agora ficava cada vez mais forte, então
acordou. Não sabia onde estava até olhar para a cara magra de
Marcus, que estava debruçado sobre ele, tentando faze-lo levantar.
A luz que invadia o quarto, apesar de pálida, era suficiente
para lhe feri os olhos. Marcus desatou num discurso sobre “se
atrasar para o café e suas conseqüências”, que Charlie não
estava escutando. Ao menos não até Marcus dizer algo parecido com “...e
esse animal em sua cama é...”.
- Não é meu!!! – de um salto se pôs em pé apontando para
a cama e se justificando – ele entrou ontem, eu não conheço
esse... esse... gato?!
Para sua surpresa não havia tigre algum em sua cama, mas
apenas seu gato Meet, com seus pêlos negros como a noite, e seus
olhos vermelhos e faiscantes. Desatou a rir. Ria e abraçava seu gato
e fiel escudeiro. Finalmente entendera o que a velha bruxa do Beco
Diagonal havia dito com “...queira
sempre ter ele por perto em horas difíceis”.
-
Hã... posso saber o que acontece?! – Marcus parecia mais
confuso que de costume.
- Claro... mas te explico depois do café. Agora tenho umas
coisinhas pra acertar.
O
salão principal estava cheio como de costume. As mesas postas e
entretidas numa balbúrdia interminável. Muitas corujas revoavam no
teto azul e ensolarado do salão.
Tempo depois as mesas já começava a se esvaziar, e alunos
apressados corriam pra lá e pra cá, carregando livros e se
preparando para mais um dia claro e frio e outono em Hogwarts. A balbúrdia
diminuíra bastante, exceto talvez na mesa da Sonserina, cujos alunos
não se preocupavam tanto com os horários.
Thomas acabava seu café como de costume, conversando com seus colegas decasa, quando um
vulto surgiu no lugar à sua frente. Levantou os olhos e viu Charlie
ali, parado com as mão nos bolsos, sem qualquer expressãono rosto.
- Ora, ora... sente-se meu caro Charlie, estava mesmo pensando
em você. – Thomas falou auto o suficiente para chamar a atenção
no salão. Harlie continuou em pé. A balbúrdia diminuíra a ponto de
virar leve sussurro. Todos sabiam da aposta que ambos tinham feito
e queriam saber o resultado. Mas a intenção de Thomas era uma
humilhação pública para Charlie.
- Olhe Charlie – continuou – entendo que você tenha ficado
com medo de ir até a vila, mas sabe, eu também teria – os
sonserinos riam, mas Charlie continuava sério e sereno. – e, já
que você veio pedir desculpas, e como temos pena de você, vamos
deixa-lo livre da aposta, e fica o dito pelo não dito, que tal!?
Os sonserinos desataram em gargalhadas. Os professores olhavam
com certa pena para Charlie, com exceção de Snape, que o observava
com atenção e interesse.
Charlie tinha o peso dos olhares e era o assunto dos sussurros
por todo o salão. Mas não achou nada ruim. Estava gostando de ser o
centro das atenções. Thomas o encarava com desprezo e sarcasmo,
enquanto continuava seu café.
Todos (exceto Snape, talvez) esperavam que ele saísse
correndo, ou partisse pra cima dos sonserinos. Mas não foi o que fez.
Em vez disso, estampou um sorriso maldoso no rosto. Tirou do bolso
esquerdo a varinha perdida e atirou-a na tigela de aveia à sua
frente, jogando leite na cara absurdamente surpresa de Thomas. Os
sonserinos ficaram calados, boquiabertos, enquanto Charlie lhes dava
as costas em silêncio.
O barulho começou novamente, muito tímido e aos poucos foi
tomando conta das mesas e enchendo o salão. Charlie passou os olhos
pela mesa dos professores: uns pareciam surpresos, outros indignados,
outros ainda preocupados. Mas parou no olhar penetrante do diretor
Snape. Charlie o encarou por um instante, pensando o que iria
acontecer com ele agora que sabiam de sua visita
à vila velha. Mas olhou com atenção, e percebeu que não era um
olhar frio de reprovação, mas sim um olhar quase
de orgulho... e talvez estivesse louco, mas poderia jurar ter visto um
sorriso discreto, enviesado no semblante severode Snape. Mas com certeza fora impressão. Snape se levantou, o
encarandoainda por um instante, e apenas se virou, sem dizer nada, e
saiu da mesa.
Logo foi alcançado por seus amigos orgulhosos (mas nem por
isso escapou do sermão de Marcus). A partir daí, e ainda por vários
dias, teve que narrar de maneira cansativa (mas prazerosa) as
maravilhas de sua pequena aventura. Contava tudo como se lembrava. As
vezes, claro, não tinha certeza se o que dizia era o que realmente
havia acontecido ou o que gostaria
que tivesse acontecido.
Aos poucos os dias claros e frios de outono foram dando lugar
à brancura da neve, que já começava a cair mais forte. A
proximidade das provas havia desviado a atenção dos alunos, que
deixaram de se preocupar com Charlie. Com exceção da Sonserina,
claro, que não deixou o garoto em paz. Mas isso não era problema
para ele. Até gostava das brigas e do titulo de Colecionados de Detenções, e antes do final do ano já havia
conseguido mais duas para a lista. Tinha esperanças de superar a incrível
marca dos Gêmeos Weasley.
Logo
no primeiro dia das férias, bem pela manhã, Charlie já esperava o
Expressoque o levaria para passar as férias de Natal em
casa. Ele não queria ir, mas fora proibido de permanecer na escola
nas férias, a fim de não causar mais
problemas. Lise e Marcus estavam lá par se despedir. O trem apitou e esfumaçou, chamando os alunos para o embarque. Se despediram em
poucas palavras e em minutos Charlie estava acomodado com suas coisas
numa cabine do último vagão. Mais um apito e o trem começou a
deslizar por sobre os trilhos, lenta e barulhentamente, ganhando
velocidade aos poucos. Charlie ainda olhava os amigos, que ficavam
cada vez mais pequenos à medida que o trem se afastava em direção
às colinas. Lise e Marcus continuavam ali, olhando o trem, e viram
sem entender Charlie apontando para eles e desabando em fervorosas
gargalhadas. Foi quando surgiram atrás deles Thomas e Josh, os piores
sonserinos (talvez não piores que Charlie!). Estavam vermelhos e
bufando, mas não dava pra saber se era por causa da corrida ou da raiva
que transbordava deles.
- Parem esse trem... parem... Anderson... maldito... devolva a
minha varinhaaaaaa!!!!!!
Mas era tarde. O trem foi ganhando mais e mais velocidade e
alargando a distância, enquanto Charlie acenava muito contente para
os amigos. Logo o trem contornou a colina ao longe e se perdeu na
brancura da neve.