Andamos quase meia hora sem que ninguém
dissesse uma palavra. O silêncio era recortado
pelos nossos soluços entre as lágrimas pelos
senhores mortos e pelos passos apressados do
Querubim que rodeava o resto do grupo. O Odécio
e o Crazyman sentados com os braços apoiados
nos joelhos seguravam a cabeça e tinham o
semblante tão triste que era melhor que
chorassem. O Mingal mais ao fundo limpava os
óculos.
Só o Quase-nada não estava lá. Ele tinha
ido conversar com o motorista e até agora não
tinha voltado.
- Alguém pode me dizer a onde estamos? –
perguntou o Mingal, quebrando o silêncio – Se
ninguém notou nós estamos num ônibus a meia
hora indo não sei para onde, com um maluco que
pensa que é bruxo....
Parei de chorar e olhei em volta pela primeira
vez, enxugando as lágrimas. Com certeza não
era um ônibus comum. Além de roxo, era enorme
por dentro, com leitos e pessoas
esquisitíssimas neles. Incluindo um senhor de
nariz anduco e camisola laranja, que dormindo,
pedia em inglês, um chá de
qualquer-coisa-que-eu-não-entendi-de-dragão.
- Se não fosse uma loucura muito grande eu
diria que isso aqui é um noitebus... –
murmurou a Thaís.
- Noitebus? – perguntaram todos ao mesmo
tempo.
- Não poderia ser... – retrucou o Odécio
– Isso não existe!!
- Bom, se não for outro presente do governo
americano para Sobral...* Esse ônibus me parece
estranho o suficiente para ser um noitebus –
comentei.
- Gente, que é isso? Eu não posso acreditar!
Quer dizer que agora estamos dentro de um
transporte de bruxo? Ah! É impossível!!! –
desacreditou Crazyman se levantando num impulso.
- Olha, detesto dizer, mas isso aqui É um
noitebus, sim! Ou será que ninguém está
sentindo que este ônibus anda numa velocidade
incrível? Próxima a do Messejana expresso!**
– Querubim defendia sua opinião andando de um
lado para o outro – Sem mencionar o fato que
mais ninguém aqui dentro fala Português...
- Sim, é difícil de acreditar, mas estamos
num noitebus. O que é isso, hein?
- Mozo!*** Desculpe, Mingal! Foi
irresistível!
- Tá Odécio! Tá!
Quase-nada entra no meio das risadas da
galera.
- Que bom que os ânimos estão melhores –
falou Quase-nada.
Ele estava diferente. Tinha trocado de roupa,
usava vestes longas verde esmeralda. O olhar era
o mesmo mas andava e usava o corpo de uma
maneira diferente, formal e cheio de
reverências.
- Isso aqui é um noitebus, Quase-nada? –
perguntei.
- Claro que sim, oras... O que pensavam que
fosse? – respondeu com um cinismo
impressionante.
- E o que é que nós estamos fazendo aqui e
não em casa? – perguntou o Odécio ainda
incrédulo.
- A pergunta certa, Odécio, é: Por que?
- Que seja!
* Sobral é um município próximo a
Fortaleza. Recentemente o governo americano fez
uma doação de School busses, aqueles
amarelões mesmo, para Sobral.
** Messejana expresso é um dos ônibus que
têm acesso ao reino perdido da Messejana. Na
verdade, devido a grande velocidade que os
motoristas costumam atingir nestes ônibus, nós
acreditamos que eles sejam portais dimensionais.
*** Mozo! Expressão que significa " meu
ovo" e deve ser dita sempre que alguém der
a deixa, não importa a situação.
- Como eu disse no shopping e vocês não
acreditaram, vocês foram escolhidos para uma
missão, de grande importância por sinal. E eu
fui o encarregado de leva-los em segurança até
essa missão. Pelo que podem ver, é o que eu
estou fazendo agora...
- Levar a gente para onde, então? –
perguntou o Crazyman ansioso.
- Hogwarts.
- Ah tá!! E o coelhinho da Páscoa também
vai? – brinquei.
- Bem... Não sei... Não o conheço
pessoalmente...
- Gente, estou lendo Harry Potter demais!!
Isto aqui é uma alucinação e vai passar...
– A Thaís fechou os olhos, contou até dez,
piscou... Mas nós continuávamos ali.
- Não vai adiantar. Nós estamos mesmo neste
ônibus doido indo para onde mesmo? – se
indignou o Mingal.
- Hogwarts, a escola de magia e bruxaria.
- E nós vamos fazer o que lá? – Thaís
perguntou.
- Cumprir a missão que foi determinada!
- E que missão é essa? – perguntei.
- Não me diz respeito! Não sei do que se
trata.
- Suas respostas são tão esclarecedoras...
– me irritei.
- Obrigado! – ele ainda agradeceu.
- Supondo que a gente aceite a missão... –
Odécio tentou começar.
- Vocês aceitarão ou
aquele-que-não-deve-ser-nomeado voltará a
reinar com força total. Nesse momento temos que
nos unir pelo bem de todos.
- Voldemort também existe? – Querubim
gritou. Alguns bruxos acordaram ao ouvir o nome.
- Pssssssssiiiiiiiiiiiiuuuuuuu!!! Não diga
essa palavra, ela provoca pavor - brigou
Quase-nada –Principalmente agora que ele tem
praticamente todos os seus poderes
restabelecidos.
- É muito arriscado! – falei - Não sei no
que podemos ser úteis!
- Também não entendo! Não fui informado.
Mas acho que tem haver com a invasão do
Brasil...
- Invasão do Brasil? Como assim? – quis
saber Odécio.
- Bem... O país está dominado pelos
comensais da morte. Aqueles bandidos que nós
vimos no Iguatemi são comensais. É muito
fácil sentir a presença deles. Não fazem
muita questão de se esconder quando estão a
serviço.
- Credo! E para que matar os velhinhos,
então? – perguntou Crazyman.
- Pensavam que fossem vocês...
- Ah tá!! Legal!! Vamos voltar para casa –
eu disse – Isso não é coisa para a Thaís.
- Qualé, Priscila? Sempre quis ir para
Hogwarts. E estou tendo essa chance agora...
- Basta um Avadra Kedrava que nós tamo
fudido! – lembrou Crazyman.
- Por que vocês não vão dormir um pouco?
Devem estar exaustos e com a cabeça cheia de
idéias para digerir. Quando chegarmos eu acordo
vocês.
- Se eu não tivesse certeza de que você nos
trouxe aqui para morrermos, poderia até dizer
que você é gentil...